COMO NÃO LER A BÍBLIA DE FORMA INÚTIL
Uma das mais antigas obras dos
Puritanos sobre como ler as Escrituras foi publicada por Richard Greenham (c.
1535-1594) sob o título Uma Proveitosa Obra, Contendo
Orientação para a leitura e Compreensão das Escrituras Sagradas. Depois de
estabelecer que a pregação e leitura da Palavra de Deus são inseparavelmente
unidas por Deus na obra da salvação do crente, Greenham concentra-se sobre
nosso dever de ler as Escrituras regularmente e a sós, recorrendo ao apoio de
Deuteronômio 6.6, 11.18; Neemias 8.8; Salmo 1.2; Atos 15.21; 2 Pedro 1.19.
Tornando-se mais prático,
Greenham afirma que os homens pecam não somente quando negligenciam a leitura
das Escrituras, mas também ".....ao
lerem erroneamente"; portanto, as formas apropriadas de leitura
reverente e fiel devem ser anotadas, como segue:
1. Diligência 5. Conferência
2. Sabedoria 6. Fé
3. Preparação
7. Prática
4. Meditação 8. Oração
Os números 1 a 3 devem preceder a
leitura; os números 4 a 7 devem seguir-se à leitura; o número 8 deve preceder,
acompanhar e seguir-se à leitura. Aqui está a essência do conselho de Greenham:
1. Diligência — deve ser aplicada à leitura das Escrituras,
mais do que se faz na vida secular. Devemos ler nossa Bíblia com mais
diligência do que os homens escavam em busca de tesouros enterrados. A
diligência torna planos os lugares acidentados; torna fácil o difícil; torna
saboroso o insípido.[Provérbios 2; 2 Pe 1:5; 2 Tm 4:2, acréscimos nosso]
2. Sabedoria — deve ser usada na escolha do conteúdo, ordem
e tempo. No tocante ao conteúdo, o crente não deve tentar mudar do que é
revelado para o que não é revelado, nem consumir tempo considerável nas partes
mais difíceis da Escritura. Se o ministro deve adaptar sua pregação da Palavra
ao nível de seus ouvintes, "de igual
modo muito mais os ouvintes devem aplicar sua própria leitura à sua capacidade
individual". [1 Co. 3:2; acréscimo nosso]
Na questão da ordem, o leitor
zeloso da Escritura procurará estar firmemente baseado em todos os "pontos principais da doutrina".
Além disso, a leitura da Escritura deve seguir uma ordem, em lugar de leitura
dispersiva. Somente uma Bíblia consistente fará um cristão consistente.
O tempo também deve ser utilizado
criteriosamente. Todo o sábado deve ser devotado a tais exercícios como a
leitura das Escrituras, mas, quanto aos outros dias, um trecho da Escritura de
manhã, ao meio-dia e à noite é um equilíbrio sábio (Ec 3.11). Em qualquer
circunstância, nenhum dia deve passar sem alguma leitura das Escrituras.
3. Preparação adequada é fundamental. Sem ela a leitura da
Escritura raramente é abençoada. Tal preparação divide-se em três propósitos:
Primeiro, devemos nos aproximar da Escritura com temor reverente de Deus e de Sua
majestade. [Sl. 100:4; acréscimo nosso]
Devemos nos aproximar da Palavra
estando "prontos para ouvir, tardios para falar1” (Tg 1.19),
determinados a guardar a Palavra de Deus em nosso coração. O temor reverencial
é sempre abençoado, quer por termos nossa compreensão esclarecida ou por outras
boas emoções sentidas.
Segundo, devemos nos aproximar da
Escritura com fé em Cristo, olhando para Ele como o Messias, "o leão da tribo de Judá, a quem é dado abrir
o livro de Deus" [Ap 5:5]. Se
chegarmos à Escritura com reverência perante Deus e fé em Cristo, não abrirá o
próprio Cristo nosso coração, como fez aos discípulos a caminho de Emaús.[Lc.
24:31].
Terceiro, devemos nos aproximar
da Escritura sinceramente desejosos de aprender com Deus. Aqueles que produzem
frutos são precisamente os que recebem a palavra "na boa terra [o coração]"; são os que frutificam com
perseverança (Lc 8.15). Muitas vezes não obtemos proveito da leitura da Bíblia
porque chegamos a ela "sem coração"
para o ensino divino[Tg. 1:21, acréscimo nosso]
4. Meditação — após a leitura é tão decisiva como na
preparação antes da leitura da Escritura. Pode-se ler diligentemente, mas a
leitura não produz fruto algum, se a meditação não ocorrer após o que foi lido.
A leitura pode dar alguma amplitude, mas somente a meditação e o estudo
proporcionarão o aprofundamento. A diferença entre leitura e meditação é como a
diferença entre flutuar à deriva em um barco e remar em direção ao porto de
destino. "A meditação sem leitura é errônea, e leitura sem meditação é
infrutífera. A meditação faz com que aquilo que é lido torne-se nossa
possessão. Bem-aventurado é aquele que medita na lei de dia e de noite"
(Salmo l).
A meditação envolve nossa mente e
compreensão, tanto quanto nosso coração e afetos. Para alcançar um julgamento
profundo e estável sobre diversas verdades, a mente deve ser levada à
compreensão meditativa. A meditação, porém, também "absorve" esse
julgamento estável, e leva-o a agir sobre nossas afeições. Se nossas afeições
não ficarem envolvidas, nossa profunda compreensão meditativa diminuirá. As
Escrituras devem penetrar por toda a textura da alma.
5. Conferência — Por conferência Greenham está referindo-se
a uma conversa devota com ministros ou outros crentes. "Como o ferro com o ferro se afia, assim, o
homem, ao seu amigo" - (Pv 27.17). O piedoso deve partilhar o que ele
está absorvendo das Escrituras, não de maneira orgulhosa, falando além do que
os outros conhecem, mas com humildade, confiando que onde dois ou três se
reúnem para uma conversação espiritual, Deus estará no meio deles. Tal comunhão
não deve abranger muita gente, nem tampouco isolar-se em círculo fechado de uns
poucos.
6. Fé — Nossa leitura da Escritura deve mesclar-se com a fé.
A fé é a chave para o proveitoso recebimento da Palavra (Hebreus 4.2); "sem fé é impossível agradar a Deus"
(Hb 11.6). Ler sem fé é ler em vão. Na verdade, todas essas oito diretrizes
para a leitura da Escritura devem ser seguidas no exercício da verdadeira fé.
Além disso, por meio da leitura
da Palavra pela fé, nossa fé também será refinada. Nossa leitura da Escritura
deve provar nossa fé muitas vezes, não somente nas coisas gerais da nossa vida,
mas também nos aspectos pessoais da nossa vida — especialmente nas aflições.
Como o ouro é purificado no fogo, assim nossa fé deve suportar o fogo da
aflição.
7. Prática — O fruto da fé deve ser prático. A prática
"traz o aumento da fé e do
arrependimento". A prática é o melhor caminho para o aprendizado; e
quanto mais colocamos em prática a Palavra pela obediência diária da fé, mais
Deus aumenta nossos dons para seu serviço e para o aumento da nossa prática.
Quando o Espírito lança luz sobre nossa consciência de que estamos praticando a
Palavra que lemos, recebemos também o grande benefício de estarmos seguros de
que temos fé.
8. Oração — Essa prática é indispensável ao longo de toda a
leitura da Escritura — precedendo, acompanhando e seguindo. Em leitura pública
da Escritura, não é possível fazer pausa e orar após cada versículo. Na leitura
em privacidade faremos bem em temperar constantemente a Escritura com sal,
usando petições curtas, ardentes, aplicáveis de acordo com sugestões
específicas dos versículos diante de nós. Lutero escreveu: "Faça uma pausa em cada versículo da
Escritura e agite, por assim dizer, cada galho dele, para que possivelmente
algum fruto venha a cair."
Se oramos pelo alimento para o
nosso corpo a cada refeição, quanto mais devemos orar pelo alimento espiritual
provido em toda leitura da Bíblia! Se não ousamos tocar nosso alimento e
líquido antes de orarmos à mesa, como ousamos tocar o Livro santo de Deus —
nosso alimento e nossa bebida — sem oração?
A oração, necessariamente, também
envolve ações de graças: "Se somos
levados a louvar a Deus quando ele alimenta nosso corpo, quanto mais devemos
fazê-lo quando ele alimenta nossa alma?" Não sejamos fervorosos ao pedir
e, em seguida, frios ao dar graças. Antes, oremos para ler com temor piedoso e
humilde gratidão, lembrando-nos de que o crente que é superficial na leitura da
Bíblia será superficial na vida cristã.
Se a Bíblia existe para
influenciar-nos, devemos recorrer a ela. "A Bíblia que está amarrotada", escreveu Vance Havner, "geralmente pertence a alguém que não está."
Negligenciar a Palavra é negligenciar o Senhor, porém aqueles que lêem a
Escritura, nas palavras de Thomas Watson, "como uma carta de amor que lhes
foi enviada por Deus", desfrutarão seu poder afetuoso e transformador.
Joel Beeke
http://www.josemarbessa.com/2011/08/como-nao-ler-biblia-de-forma-inutil.html
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